(Foto: Vitória 87 FM)
Em entrevista ao GLOBO, o pesquisador e professor da Universidade do Sul da Flórida (USF) discutiu suas descobertas após o longo período de submersão
O oceano pode conter muitas das respostas pelas quais os homens procuram na terra e no espaço. É o que pensa o “Dr. Deep Sea” (Dr. Fundo do Mar) ou Joseph Dituri, professor da Universidade do Sul da Flórida (USF) e comandante aposentado da Marinha dos Estados Unidos, que se submeteu a um experimento de viver 100 dias debaixo d'água.Detentor de 28 anos de experiência em mergulhos saturados (de grandes profundidades), Dituri se reuniu com uma equipe de dez especialistas no ano passado, no chamado Projeto Netuno 100, para bater o recorde mundial de maior tempo registrado de um ser humano vivendo embaixo d'água e estudar os efeitos da pressão hiperbárica — quando a pressão do ar é maior do que seria ao nível do mar — na saúde do corpo.
Até então, dois pesquisadores da Universidade do Tennessee carregavam o título, após passarem 73 dias na cápsula de 55 m², a 9 metros de profundidade, chamada Jules’ Undersea Lodge, localizada no lago em Key Largo, na Flórida, no ano de 2014. A mesma que o professor utilizou em seu experimento.
Você conhece a agamia. A partir disso, o mergulhador entrou no alojamento em 1º de março e saiu 9 de junho de 2023 com um novo recorde, confirmado pelo Guiness World Records.
Em entrevista ao GLOBO, Dituri compartilhou seus objetivos em viver submerso, detalhes sobre as suas descobertas durante o período e o impacto da experiência em seu corpo.
Como foi a experiência de viver debaixo d'água durante 100 dias?
Eu passava de seis a oito horas fazendo ciência todo dia. Nesse período, eu fazia os eletrocardiogramas, teste de função pulmonar, exame de sangue, entre outros. Três horas eu reservava para o propósito de “alcançar pessoas”, principalmente estudantes. Eu me dedicava a isso três vezes por dia, uma hora cada. Então, estava bastante ocupado pelo menos 14 horas por dia. Além disso, mergulhava todos os dias e preparava minhas próprias refeições. Os especialistas, médicos e cientistas vinham me visitar regularmente, mas eles não ficavam lá.
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De onde surgiu a ideia para este projeto?
A gênesis dessa ideia para o experimento veio em 24 de dezembro de 2012 quando eu estava escrevendo um artigo para o James Cameron (cineasta de Hollywood, responsável pela direção dos sucessos de bilheteria “Titanic” e “Avatar”). Ele me contratou quando eu me aposentei da Marinha, na qual passei 28 anos. Eu era meio que o “cara que está sempre submerso”, então ele me chamou para analisar o submersível que ele iria enviar ao fundo da Fossa das Marianas. Depois disso, foi encontrada a ligação entre uma doença e um peixe que vivia nesse local. Isso me fez pensar: “Nós precisamos viver no oceano e estudá-lo”. Precisamos viver no oceano e descobrir novas espécies, uma delas pode ter a cura para o câncer, por exemplo, mas nós temos que encontrá-la. Temos hoje tantos medicamentos e tratamentos que vêm diretamente do oceano. Eu pensei nisso tudo, levei cerca de 11 anos para chegar lá, mas consegui.
Quais eram os seus principais objetivos?
Em primeiro lugar, eu queria pesquisar sobre o corpo humano e o que aconteceria se você o deixa em um local isolado, sob condições extremas. A segunda coisa é que eu queria alcançar a maior quantidade de jovens possível, para fazer eles saberem que você pode fazer ciência em qualquer lugar. E o terceiro motivo foi conseguir unir as vozes de especialistas para entender o que podemos fazer para proteger, preservar e, agora, rejuvenescer o meio ambiente marinho. Todo mundo fala sobre as viagens para o espaço, mas eu só consigo pensar: “Elon Musk [empresário e bilionário], nós temos as respostas aqui! No oceano!”.
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Quais efeitos no seu corpo foram observados nesta experiência?
Eu estive sob alta pressão por um longo período de tempo, foram 100 dias. Corpos humanos não toleram isso muito bem. Mas algumas coisas boas se mostraram. E algumas delas foram que eu aniquilei todas as moléculas inflamatórias do meu corpo pela metade, além disso, eu também melhorei meu sono REM profundo, ao dobrar meu tempo nele.
Houve vários resultados negativos também. Quanto mais tempo você fica na água, mais coisas ruins acontecem. Como por exemplo, astronautas crescem cerca de 3,81 cm quando vão para o espaço, já para os aquanautas, que é o meu caso, eu comprimi 1,9 cm. Só agora, nove meses depois de ter passado todo esse período na água, que recuperei essa parte da minha estatura. Quebrei meu dente no dia 12, precisei fazer um canal no segundo dia depois de voltar do experimento.
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O senhor mencionou ter passado por um processo de ‘rejuvenescimento do corpo’ provocado pelo experimento. Como isso se deu?
Na verdade, o que houve foi um aumento de 17% no comprimento dos meus telômeros (estruturas que formam as pontas dos cromossomos e protegem o DNA das células. O comprimento delas é demarcado como “relógio biológico”). Isso fez com que minha idade biológica passasse de 55 para 34 anos. Então, de forma realista, eu tive essa grande redução. Para conseguir encontrar essa resposta eu fiz um exame chamado “metilação do DNA” (um processo que altera a expressão genética sem alterar a sequência do DNA). A partir disso, o laboratório faz dois testes, um deles é de probabilidade estatística e o outro é de citometria de fluxo (tecnologia na qual é possível fornecer uma análise de células individuais).
Como essa experiência vai se refletir na sua vida? O senhor se questiona a respeito?
Acredito que vou viver uma vida mais longa. Minha meta de vida é conseguir chegar aos 110 anos. Espero que minha experiência seja um pontapé para muitas outras descobertas.
O que já se sabe sobre os efeitos na saúde
Ainda há pouquíssimo estudo sobre o impacto da pressão do oceano na saúde do ser humano. Exatamente por isso que a experiência de Dituri é preciosa. Um dos trabalhos que trouxe mais respostas foi aplicado em 35 pessoas por um período de 90 minutos. Conduzido pela Universidade de Tel-Aviv em parceria com o Centro Médico Shamir, ele mostrou um aumento dos telômeros após a aplicação de oxigenoterapia hiperbárica (terapia que utiliza da diferença de pressão para aumentar a oxigenação do corpo).
— É possível que a exposição ao oxigênio sob alta pressão possa ter um efeito protetor como ocorreu com o pesquisador que ficou 100 dias submerso. Mas não há dúvidas de que mais estudos devem ser realizados para se ter uma melhor ideia sobre o efeito real e, especialmente, sobre os possíveis efeitos colaterais — pondera o neurocientista Givago da Silva Souza, professor da Universidade do Pará e membro da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento.
Por Raquel Pereira — Rio de Janeiro