(Foto: Vitória 87 FM)
Há duas semanas, me deparei com uma reportagem perturbadora da revista “MIT Technology Review”, sobre como idosos com demência vêm sendo filmados, e expostos, no aplicativo TikTok, que compartilha vídeos curtos e tem grande audiência entre os mais jovens. Há material útil de cuidadores que tentam divulgar informações para quem está em posição semelhante. Um desses vídeos dá dicas sobre comunicação – por exemplo, como não se deve falar (ou gritar) de longe para oferecer um lanche. Em vez disso, o correto é se aproximar do portador de demência e dar duas opções para ele escolher, sempre num tom de voz acolhedor. No entanto, abundam cenas embaraçosas, como a de um idoso que se atrapalha para tirar o suéter e tem dificuldades para se levantar. Em outras, a pessoa dança sem consciência de estar sendo filmada, o que provoca pena e constrangimento. Em português, há inúmeras postagens, pretensamente cômicas, nas quais o bordão “abstrai e finge demência!” funciona como uma espécie de saída para escapar de situações desagradáveis, ignorando a dor que é viver e conviver com a doença.
No Brasil, cerca de um milhão apresentam alguma forma de demência, sendo que a mais comum é a Doença de Alzheimer. No mundo, a Organização Mundial da Saúde estima que sejam 50 milhões, com previsão de que o número triplique até 2050. O estigma acompanha não somente os pacientes e suas famílias, ele também contamina a forma como essas pessoas são retratadas em todas as mídias. Com 2 bilhões de visualizações da hashtag #Dementia, o TikTok não parece estar ajudando a diminuir o problema, ao reforçar os estereótipos e preconceitos que envolvem a enfermidade.
Há uma questão ética que envolve o compartilhamento dos vídeos de adultos que não estão cientes da forma como são retratados. Pense: você gostaria de estar em tal situação? Do ponto de vista legal, existe a figura do responsável pela pessoa com demência, mas será que esse papel lhe dá o direito de expor o indivíduo que já não tem condições de responder por seus atos? Os limites entre flagrantes tocantes, como o do pai que sussurra “eu te amo” para a filha que saracoteia ao lado dele, e de humilhação pública parecem cada vez mais frágeis.
Jacquelyn Revere está na casa dos 20 anos e deixou suas ambições profissionais para trás em Nova York para ficar com a mãe, Lynn, na Califórnia. Ao relembrar sua jornada como cuidadora, contou que os grupos de apoio dos quais tentou participar eram formados por gente muito mais velha, e por isso não conseguiu se adaptar a eles. Preferiu compartilhar suas experiências em redes sociais e, hoje, com quase 57 mil seguidores no Instagram e meio milhão no TikTok, serve de modelo para outros cuidadores na sua faixa etária, mas se arrepende de algumas postagens. Numa delas, a mãe, completamente desorientada, segura uma embalagem de enxaguante bucal, que estava bebendo como se fosse refrigerante. A imagem tem uma carga dramática que a jovem, em retrospectiva, diz que não liberaria nos dias de hoje. A polêmica só está começando.