(Foto: Vitória 87 FM)
Denúncia é investigada pelo Ministério Público e pela Polícia Civil. Sacerdote é conhecido por trabalhos sociais realizados por meio da organização não governamental.
O Padre Airton Freire de Lima, criador da Fundação Terra, foi acusado de ter participado de um estupro praticado pelo motorista dele, Jailson Leonardo da Silva, durante um retiro espiritual. A personal stylist Sílvia Tavares de Souza disse que o abuso foi praticado a mando do religioso, que se masturbou vendo a cena.Na terça-feira (30), o padre, de 66 anos, foi suspenso pela Diocese de Pesqueira, no Agreste, por causa das acusações. O caso é investigado em segredo de Justiça pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
Quando e onde o estupro aconteceu?
Segundo Sílvia Tavares, o crime aconteceu no dia 18 de agosto de 2022, numa propriedade da Fundação Terra, na Fazenda Malhada, em Arcoverde, no Sertão do estado.
O local, que é mais afastado, isolado das outras dependências da fundação, é chamado de a "casinha", por ser uma casa simples, sem reboco interno, onde padre Airton costuma dormir. É preciso ir de carro à "casinha", por ser distante de onde o retiro geralmente acontece.
A personal stylist contou que o estupro aconteceu num fim de semana de retiro retiro espiritual comum aos que são realizados na Fazenda Malhada. Ela disse que participou de ao menos 25 desses eventos desde que conheceu o padre, em 2019.Como ocorreu o estupro?
Cronologia do crime, segundo Sílvia Tavares:
Em 17 de agosto de 2022, padre Airton mandou um áudio para Sílvia, pedindo que ela fosse à “casinha” às 6h30 do dia seguinte.
O motorista Jailson levou a mulher para o local, onde o padre estava deitado de bruços, coberto com um lençol de seda.
Ao entrar na casa, o religioso pediu uma massagem e, mesmo estranhando o pedido, a mulher fez, mas se assustou ao perceber que, sob o lençol, ele estava sem cueca. Ela, então, saiu da cama.
Em seguida, Jailson se aproximou da mulher com uma faca e a ameaçou. Enquanto se masturbava, o padre ordenou que ele a estuprasse.
Com o próprio celular, o padre tirou fotos da mulher e de Jailson nus, juntos. Depois, acariciou os órgãos genitais do motorista.
O que aconteceu depois do crime?
A mulher contou que, logo depois de ter sido estuprada, tomou banho ordenada pelo padre e foi levada para o refeitório da Fundação Terra. Lá, encontrou o marido, mas ficou calada com medo que ele, com raiva, tentasse matar o padre e fosse morto se tivesse alguma reação contra Airton.
Sílvia iria embora do retiro nesse dia, mas decidiu ficar mais, mesmo em choque, para conseguir provas. Ela afirmou que não acreditava no que tinha acontecido, e que foi ameaçada pelo padre. "Ele disse 'se você falar, vai ser pior para você'. Mas o pior para mim seria a morte".
Do refeitório, Sílvia afirma que foi levada para um lugar onde ficavam as "pessoas importantes", como os bispos. No local, ela disse que perdeu o controle e quebrou objetos.
"Quebrei guarda-roupa, joguei cama no chão, queria quebrar o vidro do banheiro, mas fiquei com medo de me cortar. E comecei a me morder, porque eu não acreditava no que estava acontecendo comigo. E comecei a tomar banho, me esfregar, me esfregar, dizendo que Deus não existia, fiquei desesperada".
Sílvia deixou a fazenda apenas no domingo, três dias depois do suposto estupro. "Eu fiquei ali porque queria provas, porque aquilo, para mim, era surreal. Eu não acreditava no que estava acontecendo", declarou.
Qual a relação da mulher e do padre?
Tatuagem de Sílvia Tavares em homenagem à Fundação Terra e a padre Airton Freire — Foto: Reprodução/TV Globo
Tatuagem de Sílvia Tavares em homenagem à Fundação Terra e a padre Airton Freire — Foto: Reprodução/TV Globo
Sílvia Tavares disse que tinha uma verdadeira devoção por padre Airton, e diz que era "cega" por ele. "Para mim, ele era um santo", diz. Isso fez com que ela tatuasse uma homenagem ao religioso. No antebraço esquerdo, ela tem a cruz símbolo da fundação e a frase "Padre Airton. Creio em Deus pai".
Eles se conheceram em 2019, quando ela procurou ajuda espiritual para tratar de uma depressão. Por causa da fama do padre, que, segundo ela, "tinha dons do espírito santo", ela procurou a Fundação Terra.
Somente depois de um ano frequentando os retiros ela conseguiu ter acesso ao religioso. "A primeira vez que fui encostar nele, a seminarista disse: 'não pode tocar, num santo não se toca' [...] Aí foi quando ele abriu a boca e disse: 'deixe a minha princesa. Aqui ela pode fazer tudo'", lembrou.
Ela conta que o padre mostrava bastante afinidade, de forma diferente do que fazia com outros fiéis, com beijos e abraços frequentes. Com o tempo, a proximidade entre ela e o religioso foi aumentando, e Airton demonstrava mais carinho por ela, a chamando de "minha princesa".
A relação entre os dois se intensificou após o que ela havia definido como um "milagre". Há cerca de dois anos, Silvia teve uma isquemia cerebral e ficou com os movimentos da face comprometidos. Foi então que ela procurou a ajuda do padre. Sob a intercessão dele, ela diz que foi curada das sequelas da isquemia.
Qual a relação do motorista e do padre?
Jailson Leonardo da Silva, de 46 anos, é apenas um dos motoristas do padre. Segundo Sílvia Tavares, esses motoristas estão sempre próximos ao padre, e dormem na "casinha" para fazer a segurança dele.
A mulher contou, também, que quando começou a ter proximidade com o padre, ele designou Jaílson para ser "guardião" dela. "Ele disse 'você vai guardar essa moça. A partir de hoje, você é guardião dela'", disse ao g1.
Esse guardião seria responsável por buscar na cidade tudo o que Sílvia precisasse, como cigarros, comida e qualquer outro objeto.
Alguém foi preso?
Até a última atualização desta reportagem, ninguém tinha sido preso. O inquérito policial aberto em dezembro, quando houve a queixa formal à Polícia Civil, não tinha sido concluído. O caso está sob responsabilidade da delegada Andreza Gregório, da Delegacia de Afogados da Ingazeira, no Sertão.
A Polícia Civil informou, por meio de nota, que "está empenhada nas investigações, atuando de forma técnica e com compromisso".
A corporação também disse que, "no momento, não é possível fornecer mais informações, pois o caso segue sob segredo de Justiça".
Quem é padre Airton?
Padre Airton Freire de Lima, de 66 anos, nasceu em 29 de dezembro de 1955, em São José do Egito, no Sertão de Pernambuco. Filho de militar, ele tem cinco irmãos, e é formado em teologia, psicologia e filosofia. Se ordenou padre diocesano em 13 de fevereiro de 1982, quando tinha 26 anos.
É autor de cerca de 100 livros e diversos discos de músicas. Costuma andar vestido com uma roupa de saco amarrada com uma corda, como voto de pobreza.
Dois anos após ter sido ordenado padre, foi designado pela Diocese de Pernambuco para atuar na Rua do Lixo, em Arcoverde, Pernambuco, uma localidade onde moravam pessoas em situação de miséria que viviam da coleta de lixo que era depositado no local.
Em 1984, criou a Fundação Terra, cujo trabalho se tornou reconhecido internacionalmente em questões sociais. Ele também criou o Instituto dos Servos de Deus com o objetivo de "formar jovens unidos pela fé para trabalhar em prol dos necessitados".
Também há "Grupos da Terra" espalhados pelo Brasil e pelo mundo, para a realização de ações sociais.
O que é a Fundação Terra?
A Fundação Terra é uma ONG fundada em Arcoverde, no Sertão. Inicialmente, o projeto teve início no formato de uma pequena escola na Rua do Lixo, para ajudar bebês e crianças que eram levados pelos pais para catar comida no lixão.
Há, entre a ações desenvolvidas pela ONG, ações sociais e de saúde, além da manutenção de três escolas e duas creches. A fundação também mantém um lar de idosos e casas que recebem crianças e adolescentes em vulnerabilidade social.
Atualmente, os projetos da Fundação atendem mais de 3 mil famílias com educação infantil, ensino fundamental e educação profissionalizante. Além da sede em Arcoverde, a Fundação tem também uma unidade no Recife e duas no Ceará e mantém três escolas e duas creches.
A Fundação também mantém um lar de idosos e casas que recebem crianças e adolescentes em vulnerabilidade social.
O que dizem os acusados?
O padre Airton disse que se sentiu "injustiçado" pela acusação de participação no estupro feita pela personal stylist Silvia Tavares de Souza, que disse ter sido abusada pelo motorista do religioso, Jailson Leonardo da Silva, a mando do religioso.
Em comunicado aos fiéis, a Fundação Terra disse que padre Airton se sentiu "injustiçado" pela acusação de estupro e que ele "jamais cometeu" os "atos ilícitos" pelos quais foi denunciado. A fundação afirma que as denúncias foram movidas "por interesses que ainda não estão claros", e diz que as obras sociais da ONG serão mantidas.
A defesa do padre Airton Freire enviou uma nota para o g1, na qual o sacerdote "nega a prática de qualquer ato ilícito e reafirma inocência".
O padre diz que não são verdadeiras as alegações dirigidas a ele e lamenta "ter sido alvo de acusações infundadas e injustas e já constituiu advogados para exercer sua defesa".
Na nota, o padre Airton diz também que considera "que o afastamento determinado pela Diocese de Pesqueira permitirá que as apurações transcorram com toda a tranquilidade necessária para que se apure a verdade sobre os fatos".
O g1 tentou, mas não conseguiu contato com a defesa de Jailson Leonardo da Silva até a última atualização desta reportagem.
O que diz a igreja?
Na terça-feira (30), a Diocese de Pesqueira suspendeu o "Uso de Ordem" do padre Airton.
Isso significa que ele, agora, não pode mais realizar atividades religiosas, como presidir ou administrar qualquer sacramento ou sacramental, como eucaristia, batismo, primeira comunhão, penitência, casamento, unção dos enfermos e extrema-unção.
A decisão foi assinada na terça-feira (30) pelo bispo diocesano de Pesqueira Dom José Luiz Ferreira Salles. O decreto considera leis do direito canônico, advertências anteriores recebidas pelo padre (sem citar casos específicos) e a gravidade dos fatos que vieram a público.
Por isso, o decreto se apresenta com a finalidade de "prevenir os escândalos e garantir o curso da justiça".
O padre Airton Freire não pode exercer o sacerdócio enquanto as investigações da polícia e da Diocese não forem concluídas.Por Pedro Alves, g1 PE